sábado, 30 de julho de 2011

E Vocês, Quem Dizem Que Eu Sou? Responder “Quem é Jesus” Hoje: Cristologia Mínima

Márcio L'Oliveira



“No caminho, ele perguntou a seus discípulos: ‘Quem dizem os homens que eu sou?’ Eles responderam: ‘Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas’. Então Jesus perguntou-lhes: ‘E vocês, quem dizem que eu sou?’ Pedro respondeu: ‘Tu és o Messias’. Então Jesus proibiu severamente que eles falassem a alguém a respeito dele.” (Marcos 8,27-30)

“Se fosse hoje, as respostas seriam: ‘Alguns dizem que o senhor é o maior milagreiro de todos os tempos!’ ‘Outros, que foi o senhor que criou o mundo.’ ‘Em alguns lugares se ensina que o senhor é um filósofo, um sábio judeu.’ ‘Disseram até que o senhor é daquele grupo dos essênios que vivia perto do Mar Morto.’ ‘Alguns pensam que o senhor é um revolucionário, um zelote.’ ‘Outros fazem do senhor um professor, um doutor da lei.’ ‘Os padres ensinam que o senhor é um sacerdote, maior que o papa!’ São muitas as opiniões sobre Jesus, tanto ontem como hoje.” (Carlos Mesters, Com Jesus na contra mão)

“Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina...”
(Alberto Caeiro - Fernando Pessoa -, O guardador de rebanhos)


1. Jesus, Por Quê?

            Responder “quem é Jesus” hoje implica duas outras perguntar: como “conhecer” Jesus? Como “viver” Jesus? Diz respeito à experiência com Ele; responder “quem é Jesus” é conhecê-lo e vivenciá-lo. Essas questões também trazem outras: como conhecer verdadeiramente Jesus frente à diversidade de opiniões, versões, visões, conhecimentos, tecnologias, possibilidades que tornam a palavra da Igreja ‘uma entre muitas’ e, na maioria das vezes de aparência “simplória”, ingênua e pouco atraente? Como fazer experiência de Cristo em meio à multiplicidade de “igrejas”, religiões, práticas religiosas, cada uma apresentando seu caminho de salvação? E essas perguntas-se deixam abertas mais duas questões: quem somos nós, os cristãos? Qual a relevância (importância) de Jesus para ‘o hoje’ da história?
            A Escritura sempre apresentam Jesus no Caminho. Nós, Igreja e teologia[1] também estamos no caminho com Jesus. Nesse caminho, sem muita pretensão de responder todas essas questões, queremos voltar as “fontes” (os Evangelhos), a vida das comunidades cristã e percorrer um itinerário simples em busca de Jesus tentando aprofundar nossa e seguimento:
1.    Presença de Jesus;
2.    Morte de cruz;
3.    Ressuscitou, como havia dito;
4.    “Vem, Senhor!” A segunda vinda;
5.    Afinal, quem é esse homem?

2. Presença de Jesus

            Jesus é aquele que passou fazendo o bem. É incrivelmente perceptível como a presença de Jesus provocava uma reação de espanto, repulsa, ódio, fascinação, admiração nas pessoas por onde passava ou com quem mantinha algum contato. O povo se perguntava sobre as atitudes de Jesus: “O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade...!” (Mc 1,27); os próprio demônios o questionavam: “Que queres de nós, Jesus nazareno?”(Mc 1,24). Comia e aproximava-se de pecadores públicos, leprosos, prostitutas; pobres, ‘marginais’, mulheres, crianças; afrontava a prática hipócrita dos religiosos e poderosos de seu tempo; re-interpretava as Escrituras; e sempre fugiu das aclamações públicas (cf. Lc 4,42-44)... Para que veio Jesus? Que queria? Que trouxe? Que deixou?

O anúncio do Reino

            “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). No início da missão e vida pública de Jesus está explicito o anúncio do Reino de Deus. “Era comum entre os judeus a esperança da chegada do ‘reinado de Deus’ sobre Israel no tempo presente e, do reinado sobre todos os povos no final dos tempos”[2]. Mas, que é esse Reino ou Reinado? Um Reino para quê? Para quem? Como fazer para chegar até ele? É certo que, apesar de ser o Reino o centro da mensagem de Jesus, Ele não define exatamente o que ele é, contudo provoca seus interlocutores para descobri-lo e a ele aderir através de sua prática e palavras.
O discurso das “Bem-Aventuranças” nos ajudam a compreender quem são os destinatários desse “evento” (cf. Mt 5,1-12; Lc 6,20-26). No Grande Discurso das Bem-Aventuranças Jesus primeiro eleva os despossuídos: pobres, aflitos; depois enaltece os possuidores de alguns dons especiais: os mansos, os que tem sede e fome de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os promotores da paz; ao final coloca em lugar de destaque os perseguidos: perseguidos por causa da justiça e perseguidos por causa de Jesus mesmo. Ou seja, o Reino de Deus implica uma nova ordem e o “termômetro” para reconhecermos sua chegada ou presença é ‘o meio’ em que estamos (pobres, aflitos, perseguidos) e o que promovemos nesse meio (misericórdia, paz, justiça). “E Jesus disse-lhes: ‘Em verdade vos digo: os ladrões e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus!” (Mt 21,31) “Deixai vir a mim os pequequinos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham” (Mc 10,14).
As parábolas, traço típico dos ensinamentos de Jesus, nos apresentam a natureza do Reinado de Deus: é algo como uma festa (cf. Mt 22,1-14); experiência de total entrega (cf. Mt 13,44-46); onde atos importam mais que palavras (cf. Mt 21,28-32); não depende de nós necessariamente (cf. Mc 4,26-29); é uma manifestação pequena e simples (cf. Mc 4,30-32); se dá “misturado”, não separado do mundo (cf. Mt 13,24-30.47-50); mesmo assim cresce e se expande como fermento na massa (cf. Mt 13,33).
Para a instauração desta experiência é fundamental a abertura; uma festa, mas pequena e crescente, encarnada nas realidades humanas, no mais simples e cotidianso de nossas vidas, da vida dos pobres.

Os Sinais do Reino

            Como compreender os milagres de Jesus? Por que Jesus fazia milagres? Na nossa compreensão, milagre é ‘alterar a natureza de alguma coisa de forma poderosa e mágica’. Para o judeu era um pouco diferente, Deus atua constantemente sobre a vida e a natureza, assim, “milagre era toda comunicação da presença vivificadora e libertadora de Deus”[3], do mais simples ao mais incomum.
Assim, milagres (do latim, “micaculus”) não traduz bem a ação de Jesus. No Novo Testamento as palavras usadas para designar essa atuação no grego são “dynamis” (ato de poder), “ergon” (obra) e “semeion” (sinal); ou seja, são os gestos, ações, sinais inauguradores ou antecipadores da nova realidade do Reino de Deus, onde não haverá dor nem sofrimentos (cf. Lc 7,18-23; Jo 10,31-38). Os sinais atestam que a libertação que Jesus vem trazer não é simplesmente espiritual, mas também corporal-espiritural; não são “soluções mágicas”, mas signos da libertação plena do Reino de Jesus que estão associados à abertura e fé ao dom de Deus.
São entorno de trinta prodígios de Jesus nos Evangelhos entre curas (Mc 1,29; 40-55; 2,1-12; 3,1-6; 5,35-34;7,31-37; 9,14-29; 10,46-52; Mt 17,15), expulsões de demônios ou exorcismos (Mc 1,23-28), interferência na natureza (Mc 4,35-41; 6,31-34; Mt 14,22-23; 21,18-22; 17,24-27; Jo 2,1-11; Lc 5,1-11)  e ‘libertação de excluídos’ (Mc 2,5; 5,25; 5,41; 7,26; Lc 7,11; 17,16).
Em todas as suas palavras e atos estava presente o Reino, todavia o Reino ainda é mais: “Os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento em que chegaria o reino de Deus. Jesus respondeu: ‘O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: Está aqui ou está ali, por que o Reino de Deus está no meio de vocês” (Lc 17,20-210. A própria presença de Jesus é o advento do Reino; Jesus é o Reinado de Deus para a humanidade: “... se é pelo Espírito de Deus que expulso os demônios, então chegou para vós o Reino de Deus” (Mt 12,28).


3. Morte de Cruz
           
O fato: tortura, morte e maldição

            Desde o início da vida pública de Jesus, suas palavras e atos provocaram rebuliço, escândalo entre os fariseus, saduceus, doutores da Lei e herodianos (partidários do rei Herodes). A ponto de alguns deles quererem sua morte (cf. Mc 3,6). Expulsão de demônios, perdão dos pecados, curas no sábado, reinterpretarão da Lei, familiaridade com pecadores públicos são alguns atos inaceitáveis para alguns líderes religiosos. Aos olhos de muitos Jesus vai de encontro a Lei de Moisés, ao Templo e, até mesmo, contra ao próprio Deus único de Israel.
            Acontece um encadeamento de fatos. O Sinédrio, poder religioso dos judeus, condena Jesus (cf. Mt 26,57-68) e entrega Jesus a Pilatos, o poder político dos romanos (cf. Mt 27,11-26). “É inegável que a condenação de Jesus encerra um significado religioso e ideológico”[4]. Jesus é condenado por dois tribunais, dois processo. Um blasfemador, acusação religiosa; um agitador, acusação política. Um homem desses precisava morrer.
            Um fato é de particular importância. A cruz, instrumento de tortura e morte dos romanos para agitadores e revolucionários políticos, também “mexia” com a sensibilidade religiosa judaica. Diz o Livro de Deuteronômio: “Se um homem, culpado de um crime que mereceu a pena de morte, é morto e suspenso a uma árvore, seu cadáver não poderá permanecer na árvore à noite; tu o sepultará no mesmo dia, pois o que for suspenso é um maldito de Deus” (Dt 21,22-23). Essa determinação da Lei coloca um peso maior ainda sobre a condenação de Jesus. O castigo romano para ‘o pior entre os piores’ dos malfeitores, para os judeus era sinal de “maldição de Deus”; Jesus de Nazaré condenado na cruz era um amaldiçoado por Deus. Fracasso e frustração no início de sua missão, Jesus experimentou, mas ao fim veio o pior, condenação e maldição. Como acreditar em um Messias que é um amaldiçoado? ‘Aos olhos da história Jesus pode passar por um líder inspirador, mas que fracassou em seu movimento’[5].

O significado: o Servo Sofredor’ de Deus crucificado

            Que pensar desta morte violenta? Nessa perspectiva é compreensível a frustração dos discípulos de Emaús: “Nossos chefes dos sacerdotes e nossos feches o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Nós esperávamos que fosse ele quem iria redimir Israel...” (Lc 24,20-21). Qual o significado desse “evento escandaloso” para nossa fé?
            O discurso de Pedro depois do Pentecostes é bastante iluminador: “Ele foi entregue segundo o desígnio determinado e a presciência de Deus” (At 2,23). Deus, na livre resposta ao homem presente nos acontecimentos da História realiza seu projeto eterno de salvação. “Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras” (1Cor 15,3), diz Paulo. Os primeiros cristão veem em Jesus crucificado, não um fracassado ou amaldiçoado, mas o “Servo Sofredor” prenunciado pelo profeta Isaias (cf. Is 42,1-9; 49,1-7; 50,4-11; 52,13-53,1-12). Sua morte nos resgatou da morte do pecado: “Aquele que não conhecera a morte do pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, a fim de que por ele nos tornemos justiça de Deus” (2Cor 5,21). Assim “Deus demonstrou seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,8). O amor de Deus é irrestrito e incondicional e na morte de Jesus se realiza por todos e cada um.
            O acontecimento salvífico da cruz é a “explosão” de amor do seio da Trindade. O Pai entrega o Filho e o Filho se entrega ao Pai tudo isso sob a ação do Espírito Santo: a cruz é o altar trinitário; como um “círculo sagrado de amor”.
Dizia Jesus: “Meu alimento é fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4,34). Esta livre entrega de si está expressa de modo supremo na Última Ceia: “Isso é meu corpo que é dado por vós” (Lc 22,19). O que a tradição cristã chama de Eucaristia, o “memorial” da entrega total de Jesus pelo ser humano. O evangelista João, antes do lava-pés escreve assim: “... tendo amado os seus que estava no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O amor maior, o extremo amor é realizado em Jesus que se doa segundo a vontade de Deus, no Espírito Santo.


4. Ressuscitou, como Havia Dito!

            “Cristo ressuscitou dos mortos. Por sua morte venceu a morte; aos mortos deu a vida” (Topázio da Páscoa), canta a Liturgia Bizantina. A origem e o fundamento da fé cristã é a “ressurreição”! Porquê? ‘E esta fé tem seu ápice nas aparições de Jesus Ressuscitado’[6]. O Evangelho fala que Jesus “apareceu” (do grego, “osté”): às mulheres (cf. Mt 28,9-10; Lc 24,36-43; Jo 20,19-29), aos onze apóstolos (cf. Mt 28,16-20), aos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-33), a Maria Madalena (cf. Jo 20,11-18), no lago de Tiberíades (cf. Jo 21,1-23). Tudo o que acontece nesses dias pascais convoca todos os apóstolos para a construção do tempo novo que começou na manhã da Páscoa. Não foi uma alucinação de fracassados (com a morte de seu  mestre), pessoas concretas fizeram a experiência do Ressuscitado. “A fé cristã não inventou essa experiência, ao contrário, a Revelação de Deus no Ressuscitado é que dá origem e fundamento a fé cristã”[7].
            “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia é também a nossa fé” (1Cor 15,14), diz Paulo. A Ressurreição é a confirmação das promessas do Antigo Testamento, de tudo que Jesus viveu e pregou. Como pela morte de cruz a Morte é vencida, pela Ressurreição Ele nos abre as portas da nova vida. Jesus o Homem Novo Ressuscitado nos chama a sermos mulheres e homens novos: “...assim como todos morreram em Adão, em Cristo todos receberam a vida nova” (1Cor 15,22).


5. “Vem, Senhor!” A Segunda Vinda[8]
           
            “Maran atha!” (cf. 1Cor 16,22; Ap 22,20); é a prece esperançosa dos primeiros cristãos e também a nossa: “Vem, Senhor!” Como a Ressurreição origina a nossa fé, a esperança da Segunda Vinda à mantém. As palavras “parusia” (do grego, “chegada” ou “presença”) e “advento” (que no latim tem o mesmo significado), na fé cristã diz respeito do retorno glorioso de Jesus no fim dos tempos, a segunda vinda de Cristo. Em alguns tempos esse retorno é mais resaltado pela Igreja em outros quase esquecido. “A parusia de Cristo é primordialmente a consumação do caminho de Jesus: o ‘Cristo em caminho’ chega a sua meta”[9]. Aquele que foi para o Pai volta para os seus.
            Foi pregada uma visão ”pesada”, tenebrosa e até assustadora desta experiência com nomes como: juízo final, fim do mundo, “armagedon”, “apocalipse”. Essas designações deturparam a natureza da Segunda Vinda de Jesus que é trazer a nova criação de todas as coisas.
Quando será esse tempo? É importante lembrar que para Deus não há tempo ou o tempo é diferente. O grego tem duas palavras para tempo: “kronos”, que é o tempo do relógio e do caledário; e “kairós”, que é tempo do sonho, da esperança, numa linguagem cristã, o “Tempo de Deus”. O Retorno de Cristo se dá no “kairós”, no Tempo de Deus, que é eternidade, o tempo sem tempo, ou seja, a qualquer momento, ontem hoje, amanhã. Dizia o místico Angelus Silésius: “Eu mesmo sou eternidade se abandono o tempo, si me recolho em Deus e Deus se recolhe em mim”.
Como cristãos, não esperamos uma Segunda Vinda num futuro distante, mas no “futuro eterno” da realização da vontade de Deus. Não nos cabe saber o momento exato, nem o poderíamos. A fé cristã nos assegura que ‘o Reino de Deus já está no meio de nós’, já está acontecendo de forma não visível; e Cristo virá, enxugará todas as lágrimas, eliminará a dor; ele erguerá o Povo de Deus e nosso mundo numa nova criação.


6. Afinal, Quem É esse Homem?

            Quantos nomes deram a Jesus? Como foi chamado? Os nomes que recebeu Jesus corresponde ao crescimento da fé do cristão nEle mesmo. No Novo testamento podemos encontrar belíssimos nomes que recebeu Jesus: “o Filho, Luz, Verbo ou Palavra, Verbo da Vida, Vida, Caminho, Salvador do mundo, Mestre, Rabi, Justo, Santo de Deus, Rei, Rei dos Reis, Novo Adão, Príncipe de nossa redenção, Autor de nossa vida, O que virá, Nazareno, Cordeiro de Deus, Redentor, o Crucificado, o Ressuscitado, Alfa e Ômega, Primeiro e Último, Princípio e Fim, Verbo vindo na carne, Esposo, Testemunha fiel, Primogênito entre os mortos, Aquele que nos ama, Aquele que é, que era, que vem, o Todo poderoso, O Vivente, o Santo e o Verdadeiro, Leão da Tribo de Judá, Emanuel ou Deus conosco, o Santificador, Sumo Sacerdote, Juiz Universal, Cabeça da Igreja, Mediador da nova e eterna aliança, porta do redil, Bom Pastor e tantos outros”[10].
O nome “Jesus” (do aramaico, “Ieshuah”), aliás, muito usado em seu tempo, significa “aquele de quem Javé é socorro”, “Deus ajuda”, “salvação do Senhor”. A Jesus é associado o título de “Cristo”; depois da Ressurreição ele é reconhecido como o  Senhor, o Filho de Deus; também, quando Jesus fala ele faz reverência ao Filho do Homem[11]. Qual o alcance e o significado de cada nome desses para nós cristão. Aprofundaremos quatro deles: Messias, Filho do Homem, Filho de Deus e Senhor.

Messias

            A tradição anexou ao nome de Jesus o título de Messias ou Cristo (do hebraico “Maschiah”; no grego “Christós”) que significa “ungido”, “consagrado”. ‘Mas será que Jesus atribuiu a si próprio o título de Messias?’[12] Por que essa pergunta? Em Israel eram ungidos em nome de Deus ou consagrados a uma missão especial: reis (1Sm 9,16; 1Rs 1,39), sacerdotes (Ex 29,7; Lv 8,12) e profetas (1Rs 19,16). Jesus tinha dificuldade de aceitar para si o título de Messias da maneira que o povo de seu tempo esperava (cf. Jo 6,15; Lc 24,21). Esse título caregava um significado político-nacionalista, por isso, nos quatro Evangelhos Jesu nunca designa a si mesmo como Messias, são sempre os outros que assim o designam[13].
            Messias, então é o nome que reúne a esperança do povo por libertação; é o enviado, o consagrado por Deus, o Libertador. Para além da dimensão política do título a comunidade cristã reconhece em Jesus o Cristo. Em seus atos Ele apresentou-se como emissário de uma libertação de uma “libertação nova”, “diferente”, “plena”.

Filho do Homem

O Filho do Homem ( do hebraico, “bem dam”), quando referido a Jesus está ligado a profecia de Daniel (cf. Dn 7,13-14). “A expressão significa simplesmente alguém que é ‘humano’”[14]. No Novo Testamento o título aparece oitenta vezes, sempre utilizada por Jesus. Por que Jesus preferiu essa designação? Uma explicação objetiva seria por conta da natureza da missão de Jesus: “homem entre os homens”. “Um indivíduo que representa a totalidade, que realiza a definição de ‘homem humano’, imagem e semelhança de Deus e revela assim, o rosto humano de Deus (cf. Ez 1,26)”[15]. O Reino de Deus que Jesus anunciara e realizara com seus atos, era, na realidade, o “Reino do Humano”, que reúne todas as aspirações dos seres humanos: “humano, assim, só poderia ser divino” (L. Boff).

Filho de Deus

            No Antigo Testamento Filho de Deus era o título dado aos anjos (cf. Dt 32,8; Jó 1,6), ao Povo Eleito (cf. Ex 4,22; Os 11,1; Jr 3,19; Eclo 36,14), aos filhos de Israel (cf. Dt 14,1; Os 2,1). Tem sentido de filiação adotiva especial, mas não significa dizer que ultrapassa o nível do humano, ou seja, que é Deus.
            Não acontece mesmo na Confissão de Pedro: “Tu é o Cristo, o Filho de Deus vivo!” aqui a comunidade apostólica já começa a dá-se conta da amplitude da relação de Jesus com o Pai; ele que tinha apresentado-se como “o Filho” que conhece o Pai (cf. MT 11.27; 21, 37-38). Há dois momentos sublimes que demonstram a íntima ligação entre as duas Divinas Pessoas: o Batismo e a Transfiguração. Nos dois o Pai apresenta Jesus como o “Filho Bem Amado”(cf. MT 3,17; 17,5).
Frente a Cruz de Jesus o soldado romano exclama: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). É a evolução na fé da comunidade e demonstração de que somente no Mistério Pascal (Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus) o cristão pode entender o pleno significado da filiação divida de Jesus. A Ressurreição é a manifestação desta filiação: “estabelecido Filho de Deus com poder por sua ressurreição” (Rm 1,4).

Senhor

            Senhor (do grego, “Kyrios”), no Antigo Testamento (de versão grega) é o nome dado ao próprio Deus: Javé é traduzido por “Kyrios”. No Novo Testamento Senhor é usado tanto para o Pai com para o Filho. Jesus ao longo de sua vida pública, seus gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças e demônios, sobre a morte e o pecado apontam para sua senhoria divina. Mas é depois da Ressurreição que a grandiosidade do Senhor se realiza. No encontro com o Jesus o título este título assume uma conotação amorosa e afetuosa que torna-se peculiar a tradição cristã: “É o Senhor!” (Jo 21,7).
            O reconhecimento de Jesus como Senhor do Mundo, da História, é o significa que o ser humano não deve submeter sua liberdade e dignidade, de maneira absoluta, a nenhum poder terrestre, mas somente a Deus e ao Filho de Deus, Senhor Jesus Cristo, o Humano.


7. “Tão Humano Que É Divino”: Seguimento

            Quem somos nós, os cristãos? Qual a relevância (importância) de Jesus para ‘o hoje’ da história e da nossa história? Foram as perguntas que nos fizemos ao início de nosso caminho em busca de Jesus! Quiçá, estivessem nossas questões mais ‘aclareadas’ agora. De certo é no Caminho com Jesus, o Humano, demasiado humano, em seu Seguimento nos descobrimos como cristão; descobrimos o Humano que nos humaniza, o rosto humano de Deus, o rosto divino do homem; o significante que faltava para nossas vidas.
            No caminho Jesus nos perguntará: “E vós, quem dizeis que eu sou?”(Mc 8,29) À fé, religião e teologia cristãs, que por esses tempos estiveram “embriagadas”, faz-se mister voltar ao Caminho e colocar-se como “discípulo mariano”: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38).


[1] Teologia (do grego, “theós”: deus; “logia”: palavra) é a investigação ou estudo do ser humano - enquanto abertura para o Transcendente, para o Absoluto - à luz da Revelação presente na Palavra de Deus.
[2] Afonso Garcia RUBIO. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 19944, p. 33.
[3] Ibid., p. 67.
[4] Rinaldo FABRIS. Jesus de Nazaré: história e interpretação. São Paulo: Loyola, 1988, p. 256.
[5] Cf. Afonso Garcia RUBIO. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 19944, p. 95.
[6] Cf. Ibid., p. 99.
[7] Ibid., p. 99.
[8] Cf. Jügen MOLTMANN. El camino de Jesucristo: cristología em dimensiones messiánicas. Salamanca: Síguime, 20002, p. 423-432.
[9] Ibib., p. 424.
[10] Cf. João Batista LIBÂNIO. Creio em Jesus Cristo. São Paulo: Paulus, 2007, p. 24-25.
[11] Cf. Ibid., p. 22.
[12] Cf. Afonso Garcia RUBIO. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 19944, p. 113.
[13] Cf. Rinaldo FABRIS. Jesus de Nazaré: história e interpretação. São Paulo: Loyola, 1988, p. 195.
[14] Cf. Afonso Garcia RUBIO. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 19944, p. 125.
[15] Jügen MOLTMANN. El camino de Jesucristo: cristología em dimensiones messiánicas. Salamanca: Síguime, 20002, p. 37.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Desabafo de um professor de teologia

Prof. Dr. Carlos Calvani


Sou um professor de Teologia em crise. Não com minha fé ou com minhas convicções, mas com a dificuldade que eu e outros colegas enfrentamos nos últimos anos diante dos novos seminaristas enviados para as faculdades de teologia evangélica. Tenho trabalhado como Professor em Seminários Evangélicos presbiterianos, batistas, da Assembléia de Deus e interdenominacionais desde 1991 e, tristemente, observo que nunca houve safras tão fracas de vocacionados como nos últimos três anos.
No início de meu ministério docente, recordo-me que os alunos chegavam aos seminários bastante preparados biblicamente, com uma visão teológica razoavelmente ampla, com conhecimentos mínimos de história do cristianismo e com uma sede intelectual muito grande por penetrar no fascinante mundo da teologia cristã.
Ultimamente, porém, aqueles que se matriculam em Seminários refletem a pobreza e mediocridade teológica que tomaram conta de nossas igrejas evangélicas. Sempre pergunto aos calouros a respeito de suas convicções em relação ao chamado e à vocação. Pois outro dia, um calouro saiu-se com a brilhante resposta: "não passei em nenhum vestibular e comecei a sentir que Deus impedira meu acesso à universidade a fim de que eu me dedicasse ao ministério". Trata-se do mais típico caso de "certeza da vocação" adquirida na ignorância.
E, invariavelmente, esses são os alunos que mais transpiram preguiça intelectual.A grande maioria dos novos vocacionados chega aos Seminários influenciada pelos modismos que grassam no mundo evangélico. Alguns se autodenominam "levitas". Outros, dizem que estão ali porque são vocacionados a serem "apóstolos".
Ultimamente qualquer pessoa que canta ou toca algum instrumento na igreja, se auto-denomina "levita". Tento fazê-los compreender que os levitas, na antiga aliança, não apenas cantavam e tocavam instrumentos no Templo, como também cuidavam da higiene e limpeza do altar dos sacrifícios (afinal, muito sangue era derramado várias vezes por dia), além de constituírem até mesmo uma espécie de "força policial" para manter a ordem nas celebrações. Porém, hoje em dia, para os "novos levitas" basta saber tocar três acordes e fazer algumas coreografias aeróbicas durante o louvor para se sentirem com autoridade até mesmo para mudar a ordem dos cultos.
Outros há, que se auto-intitulam "apóstolos". Dentro de alguns dias teremos também "anjos", "arcanjos", "querubins" e "serafins". No dia em que inventarem o ministério de "semi-deus" já não precisaremos mais sequer da Bíblia.
Nunca pensei que fosse escrever isso, pois as pessoas que me conhecem geralmente me chamam de "progressista". Entretanto, ultimamente, ando é muito conservador. Na verdade, "saudosista" ou "nostálgico" seriam expressões melhores.
Tenho saudades de um tempo em que havia um encadeamento lógico nos cultos evangélicos, em que os cânticos e hinos estavam distribuídos equilibradamente na ordem do culto.
Atualmente os chamados "momentos de louvor" mais se assemelham a show ensurdecedores ou de um sentimentalismo meloso.
Pior: sobrepujam em tempo e importância a centralidade da Palavra e da Ceia nas Igrejas Protestantes. Muitas pessoas vão à Igreja muito mais por causa do "louvor" do que para ouvir a Palavra que regenera, orienta e exige de nós obediência. Dias atrás, na semana da Páscoa comentei com um grupo de alunos a respeito da liturgia das "sete palavras da cruz" que seria celebrada em minha Igreja na 6a feira da paixão. Alguns manifestaram desejo de participar. Eu os avisei então que se tratava de uma liturgia que dura, em média, uma hora e meia, durante a qual não é cantado nenhum hino (pelo menos na tradição de minha Igreja - Anglicana), mas onde lemos as Escrituras, oramos e meditamos nas sete palavras pronunciadas por Cristo durante a crucificação. Ao saberem disso, um deles disse: "se não houver música, não há culto".
Creio que, em parte, isso é reflexo da cultura pop, da influência da "Geração MTV", incapaz de perceber que Deus pode ser encontrado também na contemplação, meditação e no silêncio. Percebo também que alguns colegas pastores de outras igrejas freqüentemente manifestam a sensação de sentirem-se tolhidos e pressionados pelos diversos grupos de louvor. O mercado gospel cresceu muito em nosso país e, além de enriquecer os "artistas" e insuflar seus egos, passou a determinar até mesmo a "identidade" das igrejas evangélicas. Houve tempo em que um presbiteriano ou um batista sabiam dar razão de suas crenças.
Atualmente, tudo parece estar se diluindo numa massa disforme. Trata-se da "xuxização" ("todo mundo batendo palma agora... todo mundo tá feliz ? tá feliz!") do mundo evangélico, liderada pelos "levitas" que aprisionam ideologicamente os ministros da Palavra. O apóstolo Paulo dizia que a Palavra não está aprisionada. Mas, em nossos dias, os ministros da Palavra, estão - cativos da cultura gospel.
Tenho a impressão de que isso tudo é, em parte, reflexo de um antigo problema: o relacionamento do mundo evangélico com a cultura chamada "secular". Amedrontados com as muitas opções que o "mundo" oferece, os pais preferem ter os filhos constantemente sob a mira dos olhos aos domingos, ainda que isso implique em modificar a identidade das Igrejas. E os pastores, reféns que são dos dízimos de onde retiram seus salários, rendem-se às conveniências, no estilo dos sacerdotes do Antigo Testamento.
Um aluno disse-me que, no dia em que os evangélicos tomarem o poder no Brasil acabarão com o carnaval, as "folias de rei", os cinemas, bares, danceterias etc. Assusta-me o fato de que o desenvolvimento dessa sub-cultura "gospel" torne o mundo evangélico tão guetizado que, se um dia, realmente os evangélicos tomarem o poder na sociedade, venham a desenvolver uma espécie de "Talibã evangélico". Tal como as estátuas do Buda no Afeganistão, o "Cristo Redentor" estará com os dias contados.
Esses jovens que passam o dia ouvindo rádios gospel e lendo textos de duvidosa qualidade teológica, de repente vêm nos Seminários uma grande oportunidade de ascensão profissional e buscam em massa os seminários. Nunca houve tanta afluência de jovens nos seminários como nos últimos anos.
Em um seminário em que trabalhei (de outra denominação), os colegas diziam que a Igreja, em breve teria problemas, pois o crescimento da Igreja não era proporcional ao número de jovens que todos os anos saíam dos Seminários como bacharéis em teologia, aptos para o exercício do ministério.
A preocupação dos colegas era: onde colocar todos esses novos pastores? Na minha ingenuidade, sugeri que seria uma grande oportunidade missionária: enviá-los para iniciarem novas comunidades em zonas rurais e na periferia das cidades. Foi então que um colega, bastante sábio, retrucou: "Eles não querem. Recusam-se! Querem as Igrejas grandes, já formadas e estabelecidas, sem problemas financeiros".
De fato, percebi que alguns realmente se mostravam decepcionados ao saberem que teriam que começar seu ministério em um lugar pequeno, numa comunidade pobre, fazendo cultos nos lares, cantando às vezes "à capella" e sem o apoio dos amplificadores e mesas-de-som.
Na maioria dos Seminários hoje, os alunos sabem o nome de todas as bandas gospel, mas não sabem quem foi Wesley, Lutero ou Calvino. 


(Originalmente disponível em: http://casadateologia.blogspot.com/2011/02/desabafo-de-um-professor-de-teologia.html)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Semadia no Vaticano II

"... é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático" (Gaudium et Spes 4).